Santa Tartaruga

"Let's get together and feel all right"



quarta-feira, 20 de julho de 2011

Negócios, negócios. Amigos à parte.

Na penúltima quinta feira (07/07/2011), encarei duras despedidas: Amigo e músicas.

Quando fomos morar juntos, eu, Pedro Cachaça, Henrique (Gaúcho) e Caio (aquele do dread), nosso primeiro utensílio doméstico foi um som, um toca-disco, melhor dizendo. Pedro, também conhecido como Cazuza, o havia levado acompanhado de uns 10 discos: dois do Caetano, quatro dos Beatles, um Raízes dos Rock (uma coletânea de clássicos do rock), dois dos Pet shop boys e um do Titãs (Titanomaquia). Se não me falha a memória eram só esses mesmo. Mais tarde, depois de já termos viciado e enjoado dos citados discos, eu e Cachaça traríamos outros e ganharíamos mais alguns do nosso locatário, que mora na casa de cima. Dos discos que eu levara, Realce, do Gil; Erasmo, o Tremendão; 20 anos de sucesso de Chico Buarque; Mamonas Assassinas; Falso Brilhante, da Elis; Alô Malandragem, do Bezerra; uma coletânea do Raul e Burguesia, do Cazuza eram a preferência geral. Da coleção invejável de Pedro ouvíamos muito A divina comédia, dos Mutantes; Acabou Chorare dos Novos Baianos; Secos e Molhados (73); Atom Heart Mother, do Pink Floyd; Construção, do Chico; Caetanear, do próprio; Barão Vermelho 1 e 2; Cinema Mudo, dos Paralamas e Another Tiket, de Eric Clapton. Do generoso vizinho ganharíamos Tracy Chapman, Beatles, Bezerra da Silva, Kiss. Muito bons também.
Era sabido desde o início de nossa “sociedade” que ela perderia um membro ao final do período. Cazuza iria para a UFJF, uma universidade de Juiz de Fora (MG).
Faltando algumas semanas para a amarga despedida, a casa ainda seria agraciada com mais dois discos potencialmente viciantes: The Dark Side of the Moon - Pink Floyd, trazido por Pedro, e Desire – Bob Dylan, minha mais recente aquisição.
Chegada a última semana antes das férias, Pedro cachaça e eu faríamos a separação e troca de alguns discos, enquanto ouvíamos Time – Dark Side of the Moon pela última vez. Ele sabia que certos discos meus eram inegociáveis, sendo provável que eu debochasse de sua oferta. Eu tinha a mesma noção em relação à sua coleção. Mesmo assim cobicei alto. O máximo que poderia acontecer seria ter a proposta negada:
Titãs?
Não.
Secos e Molhados?
Não.
Não?
Não.
Tem certeza? É que esse disco é muito phoda, cara. Eu to viciado. Tem “Fala”, tem “Mulher Barriguda”, “O Patrão nosso de cada dia”... Puta que pariu, produzi argumento pra você, né?
Viu como eu tenho motivos para não trocar?
Tá bom. Continuando... Construção, do Chico?
Só se for pelo do Raul.
Mas eu só tenho esse do Raul, cara.
Tá. Separa ele aí. Depois a gente vê.
(Essa situação era delicada pra mim . Ele sabia que eu tinha intenções fortes nos seus quatro discos do Chico. E o filho da puta conhece música. Tinha a noção do quanto eu queria Construção na minha coleção. Embora não fosse o meu preferido, eu estava disposto a pagar um preço alto)
Chico e Bethânia?
É possível.
Vida, do Chico?
Uhum.
Meus Caros Amigos?
Pô, cara. Acho que não vou negociar esse não. Senão vou ficar sem disco do Chico.
Achei justo.
Novos Baianos?
Sem chance.
Apesar da ousadia das ofertas, não me ocorria nem a hipótese de tentar negociar o 'The Dark Side of the Moon', o disco mais querido de sua coleção. Na sequência dos discos dele que me interessavam, o próximo era ‘Atom Heart Mother’, outro do Pink Floyd cujo lado B estava quase todo arranhado. Só metade do disco valeria uma oferta alta, talvez o do Raul, quem sabe...
Atom Hear...
Passa.
Ah, cara. Só dá pra ouvir um lado.
Edgard, não dá. Não vou trocar Pink Floyd.
É verdade, eu realmente estava mirando muito alto. Pedro já havia aceitado negociar três discos do Chico.
Depois desses, Cazuza ainda negaria Tim Maia, Barão Vermelho (02), Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes e 'O grande circo místico', uma coletânea de músicas do Chico com Edu Lobo, cantadas por outros intérpretes.
Vale lembrar que ao longo de toda a discussão da troca, Gaúcho nos aporrinhava com seus palpites tentando manter na casa os discos que mais ouvia:
Cara, o do Erasmo é de quem?
É meu.
Aêee.
Novos Baianos é do Pedro?
É.
Ah, não brow, que droga.
Lamúrias.
Chegara a hora de Pedro me mostrar os que lhe interessavam.
Pelo primeiro disco eu já notara que ele também não receava nem o 'não' nem o deboche.
Burguesia, do Cazuza?
Nem pensar.
Bob Dylan?
Acenei com a mão, indicando que perguntasse o próximo.
Gilberto Gil?
Troco.
Adiantando: Não lembro todos os discos que cedi, talvez porque não fossem tão importantes pra mim. Lembro-me que troquei um de funk por um dos Beatles que ele tinha repetido. Troquei Kiss por Paralamas. Nat King Cole e Jakson do Pandeiro por Eric Clapton e Vida, do Chico. Confesso que fiquei feliz com tanta generosidade. Embora a proposta seguinte tenha sido cruel.
Eu explico: o disco do Caetano que mais escutávamos na casa era o ‘Caetanear’. O disco tinha, só no lado A, Beleza Pura; Eclipse Oculto; Luz do Sol; O Quereres; Qualquer Coisa, enfim, invejável. Pedro dificilmente trocaria.
Eu também tinha um disco muito bom do Caetano: ‘Alegria, Alegria’.
Então, Edgard, eu quero trocar ‘Construção’ com você... por esse aqui do Caetano.
O que, o ‘Alegria, Alegria’? Ah, que isso, cara!!
Sabendo das minhas intenções no disco, Cachaça tentaria negociá-lo a fim de obter Raul ou Alegria, Alegria. Eu havia conseguido o disco que mais queria: 'Chico e Bethânia'. Mas o fato de eu ter outro disco do Caetano(Totalmente demais) e de ele ter parado de insistir no do Raul me persuadiam a realizar a troca. A essa altura, tocava 'Money' e eu já nem me lembrava de 'Caetanear'. Talvez eu pudesse comprar o Construção em vez da troca, pensei. Bobagem! Seria até uma ofensa fazer a proposta.
Tudo bem, eu troco.
Ao fim das negociações, Cazuza nos deu a vitrola. Só iria levar as caixas de som, pois tinha outra.
Ainda que me alegrasse a preciosa aquisição, não era sem pesar que eu abria mão de um dos meus melhores discos. Eu tinha um carinho especial por ele e, sem dúvida, faria falta. Mas nem de longe tanto quanto Pedro cachaça.
Passada a troca, o último 'porre' e finalmente a despedida, pensei: Além de saudades o que mais Pedro nos deixou? Uma vitrola, alguns discos, uns desenhos psicodélicos na parede, um boeing, um fumo argentino e muitas lembranças boas. Ele merecia algo especial. Também tinha direito de levar um pouco de nós. Finalmente, o disco já não fazia tanta falta. Alegria, alegria. Era o mínimo que deveríamos oferecer, a única moeda de troca à altura de sua amizade. Quem dera pudéssemos lhe dar alegria, alegria. Se não pudermos, querido amigo, leva o disco e a intenção. Porque alguma coisa nós queremos te dar em troca.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Revolución Cultural!

    Há muito tempo, é notória a presença e influência da cultura europeia e norte americana no Brasil. Talvez até um pouco mais que a influência, a presença é indiscutivelmente massante. O New York City Center, os best-sellers e as trilhas sonoras estão aí e não me deixam mentir. 
   O Mercosul, vá lá, permeia uma questão econômica e uma série de burocracias enfadonhas. Mas essa, digamos assim, resistência cultural brasileira em relação a América Latina me causa uma inquietação pungente. E o pior: não há nos dias atuais, pelo menos aparentemente, restrições à essa convergência cultural. Outrora, enquanto a ditadura regia tantos países do continente, era notório o diálogo entre a música, entre o cinema latino. Secos e Molhados, uma das maiores bandas do mundo, com o perdão do exagero, compactava em sua música a psicodelia, a poesia brasileira e os ritmos sul-americanos. Caetano Veloso, numa época em que a MPB transgredia muito mais do que se limitava, defendia sua composição Alegria, Alegria, num festival de música, acompanhado de uma banda de argentinos - os Beat Boys. Sem falar do Movimento Tropicalista, que coloria a música brasileira de América do Sul.
   Nessa mesma realidade de afirmação cultural, surgia o cinema-novo. Com a ideia na cabeça e a câmera na mão, cineastas geniais como Glauber Rocha e Nelson Pereira, passavam a abordar as questões sociais não só do país, mas de todo o continente. O "intelectual" assumia a causa do proletariado.
   Um poco menos radical que Glauber, não classifico o cinema europeu e norte-americano tão somente como cinema burguês. Mas, ainda sim, tendencioso e superficial em muitos de seus filmes. A maioria do que nos chega ultimamente é entretenimento barato e de finalidade unicamente financeira, o que acaba empobrecendo a arte. Não quero, com essa afirmação, demonstrar desdém ou ingratidão às grandes obras que nos chegaram desses países. O comentário se refere a maioria.
   A literatura, parece ser a arte menos afetada por esse distanciamento cultural do Brasil com os demais países latinos, talvez porque nunca tenha havido de fato uma relação  concreta de troca e influências entre eles. Aliás, aqui não se pode negar que o mundo inteiro seja influenciado pelos clássicos europeus. O que não é ruim. Mas só a título de curiosidade, já que você está online, dê uma olhada em Júlio Cortazar, Pablo Neruda e Gabriel Garcia Marquez.
   Em relação ao cinema, essa situação não aparenta progresso. Um filme argentino (O Segredo dos seus Olhos) ganha um oscar e você nem consegue achá-lo nas locadoras direito. Por outro lado, os cartazes de Transformers espalhados pelos prédios da cidade são do tamanho de um caminhão.
   Na música, é possível encontrar, na recente geração da MPB, parcerias como a do uruguaio Jorge Drexler com Maria Rita e da mexicana Julieta Venegas com Lenine e Marisa Monte. Eu sei, eu sei. O México não está dentro dos limites territoriais da América do Sul. Mas não se trata exatamente de localidade e sim de uma identificação social e histórica.
   Che Guevara nasceu na Argentina, lutou no Congo, na Bolívia e em Cuba. Dizia que, embora tivesse nascido na Argentina, sua nacionalidade era latino-americana. Considerava toda a América Latina como uma única nação. Quem dera.
   Essa singela reflexão não tem a intenção de propor nenhuma restrição à disseminação da cultura europeia ou norte-americana no país. A intensão se resume a alertar sobre a necessidade da valorização e difusão da cultura latino americana, não somente no Brasil, mas em todo o continente.
   Mas ainda assim, "viva la revolución!"