Santa Tartaruga

"Let's get together and feel all right"



quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Para de mironga!

O sistema social do país (e por que não do mundo?) ou os hábitos, práticas, costumes culturais, ou o Roberto Marinho ou o Eike Batista, o Tio Sam, não sei... mas, algum desses ou todos são os responsáveis por esse desejo incansável que grande parte dos brasileiros têm de ser burguês.
Destaquei três exemplos que creio reiterar essa minha afirmação e desenvolverei adiante.
Em primeiro lugar, gostaria de parabenizar os sofistas mais competentes do século XXI: os profissionais de mídia. Sócrates cortaria um dobrado para retrucar esses caras. Não o doutor, o filósofo. Impressionante é ver uma senhora de pouca instrução acadêmica dizer: “Nossa, agora vão querer ensinar o meu filho a falar errado”, ao ler alguma “matéria” nos jornais de maior circulação do país relacionada ao tão comentado capítulo do livro didático do MEC. Eis o primeiro exemplo.
Os parabéns se devem primeiramente à excelência da escola Marinho. A cena mais comum acerca do debate era a seguinte: jornalista pega o tema abacate, disserta sobre os perigos que a maçã pode causar e os telespectadores/leitores/ouvintes se deleitam com essa sobremesa de retórica recheada de ideologia de segregação. Uma delícia! Outra analogia interessante que me parece cabível aqui é o filme Matrix. No primeiro da trilogia, um dos personagens trai Neo por um pedaço de bife suculento, no mundo virtual. A ilusão realmente parece uma delícia.
Causou-se um estardalhaço por causa livro e, no fim das contas, uma questão muito pertinente quase ficou de fora (digo quase justamente por crer que a Teoria Hipodérmica já não se aplica à atualidade e muitos notaram a malandragem): liberdade de expressão é um direito do cidadão previsto na Constituição Federativa do Brasil. Essa, e não a linguística, é a questão central do debate. Se o fulaninho fala “Nóis pega o peixe”, foda-se a concordância verbal. Eu entendi perfeitamente a mensagem e ele não tem menos direito à voz porque não tem instrução para reger uma concordância. O que quero dizer é que o fato de algumas pessoas não falarem a língua portuguesa em sua forma culta, não significa que elas não devam ser ouvidas. Na campanha para presidência de 2002 em que Lula foi eleito, o argumento contra a sua eleição era bem por aí: “Que absurdo! Vão eleger um analfabeto”. Graças à Jésus, houve quem se lembrasse que o “analfabeto” estava muito mais próximo da realidade brasileira do que diplomatas, doutores ou quaisquer outros títulos do gênero, e o cara foi até reeleito.
“Racismo é crime, anti-semitismo nem se fala. A Barra está virando o reduto das classes emergentes e o Paes não faz nada. Já pensou se eu apareço em alguma estatística no mesmo pedaço da pizza (gráfico) que esses pobres, analfabetos? Ah, Deus, isso não!!” – diz o ghost-writer da “Sócia light” brasileira. Tem disso, viu?
O segundo exemplo é o argumento dos pseudo-críticos musicais de que samba é bom, pagode é merda. Não me refiro a gosto musical. Não gostar de determinado gênero é tão comum quanto andar em pé. Refiro-me a colocar um gênero no pedestal para enumerar os defeitos de outro. E isso acontece com qualquer gênero. Agora vocerveja, distinguir a bossa-nova, do samba choro, do samba de morro (ou samba de raiz), do samba de gafieira, do samba-canção, do pagode, da batucada, da marchinha e tantas outras variações do gênero serve para quem mesmo? Para os críticos, né? Ou você acha que Zeca-Pagodinho teme que a sua música seja denominada pagode? Ele quer mais é samba, nego. Samba em todas as suas variações instrumentais, poéticas e rítmicas. É uma pena que nem a arte tenha escapado dessa cultura de segregação. Impossível negar que tantos se apóiem em gêneros musicais consagrados por sei-lá-quem para se auto-afirmar culto. Mas que tolice, meu Deus!
O terceiro exemplo, claro, eu não poderia deixar de comentar, são as redes sociais (be careful). Especificamente, a migração de internautas do Orkut para o Facebook. Até aí, questão de gosto. O Facebook deve ser mais organizado, interativo... enfim, não se discute. Mas, o que considero discutível é o fato de centenas e centenas de comentários do site determinarem o Orkut como lugar de “favelado”, gente feia e retardatários digitais, dentre outros. “Ai que droga! Esse povo que fica querendo ‘orkutizar’ o ‘face’” – lê-se. Como se mais da metade dos usuários brasileiros não tenha migrado de um para outro. Até as práticas sociais/digitais servem como ferramenta de segregação. “O pobre, o feio, o burro tem que ficar para lá, bem longe de nós, cultos, belos e inteligentes”. Insistem em “legislar” e segmentar as redes, um dos poucos lugares onde a “subversão” ainda tem espaço e gera benefícios. Aproveito a ocasião para parabenizar os “blogueiros”, gente que fomenta senso crítico e difunde arte, sem propagandas, sem grandes gravadoras, sem custo e sem filiação política. Parafraseando um sábio amigo, “Brigado, Deus!”.
Como esse blog só serve para isso mesmo, está pior que filho de cego, deixo aqui mais um apelo: não segregue as pessoas, por mais foda que você seja. É uma prática burguesa, dos nossos ancestrais colonizadores. Está démodé, ultrapassada. Alôou! A gente é “pobre” mesmo e o Brasil é uma miscigenação rica demais, para se ater a exclusão social, econômica e cultural. Deixem isso para a ficção. Pré-conceito é inevitável, somos assim. Mas creio que o “pós-conceito” é um pouco mais confiável. Jornalistas, críticos musicais e internautas não se aperreiem. Prometemos não bagunçar vossos castelos. Tiraremos os sapatos para entrar.