Santa Tartaruga

"Let's get together and feel all right"



sábado, 25 de maio de 2013

uma madrugada apagada no cinzeiro
eu acendia a fim de ascender
tentava poesia
e nem sei se terminava
tornava a adormecer

"Olha, Pessoa. Que me diz dessa poesia?"
Ele olhava com atenção. Penso que lia mais de uma vez, pelo tempo que demorava com os olhos no texto.
Movia os lábios como se balbucia a lembrar d'uma equação. E em seu rosto eu lia três expressões, que embora não se contradissessem, tampouco se completavam.
Eu avistava Drummond e lhe chamava: "mestre, que podes me dizer deste textículo?" Já pessoa se dispersara em caminhos distintos. Ora, Carlitos tirava os óculos para ler, terminava, e já me dirigia a sentença redonda como suas caricaturas... quando um pivete lhe furtava os óculos e ele, definitivamente calava.

"Não é possível"
Leminski acenava. "Este há de me dar um parecer", pensava.
Apareceu e...
até parece.
disse:
"para fazer um bom poema
caríssimo
não se apresse
recomendo três dias de paciência
um abraço
e uma prece"

até que chegou o Manoel de Barros, olhou e perguntou: "o que é?"
Eu disse nada. Ele tomou nas mãos, olhou de cabeça pra baixo, passou baba de eclipse e sentou em cima do poema,
fitando a paciência nas folhas
e finalmente disse: "rapaz, está uma merda isso aqui!"

meus olhos encheram d'água.
também sou fraco para elogios.

sábado, 13 de abril de 2013

O Poeta Aprendiz

Para quem não se lembra, "O Poeta Aprendiz" é a única coisa que ainda permanece da organização inicial do blog. Deveria ser uma espécie de postagem fixa onde eu postaria poemas (próprios e de outros). O único postado sem ser de minha autoria, até agora, foi o próprio "O Poeta Aprendiz", de Vinícius de Moraes. Eis aí outro de outro.


Poema da buceta cabeluda
A buceta da minha amada
tem pêlos barrocos,
lúdicos, profanos.
É faminta
como o polígono-das-secas
e cheia de ritmos
como o recôncavo-baiano.

A buceta da minha amada
é cabeluda
como um tapete persa.
É um buraco-negro
bem no meio do púbis
do Universo.

A buceta da minha amada
é cabeluda,
misteriosa, sonâmbula.
É bela como uma letra grega:
é o alfa-e-ômega dos meus segredos,
é um delta ardente sob os meus dedos
e na minha língua
é lambda.

A buceta da minha amada
é um tesouro
é o Tosão de Ouro
é um tesão.
É cabeluda, e cabe, linda,
em minha mão.

A buceta da minha amada
me aperta dentro, de um tal jeito
que quase me morde;
e só não é mais cabeluda
do que as coisas que ela geme
quando a gente fode.

Bráulio Tavares

O discurso

Há que ser burro o suficiente para não ter pudor em desrespeitar o ser humano publicamente.
Várias páginas de corporações militares se valem ultimamente das redes sociais para propagar ainda aqueles velhos conceitos arcaicos e facistas.
Aqui, dentre os meus amigos mais alienados, surgem várias postagens se referindo a criminosos como vagabundos, demonstrando qual é a prerrogativa do tratamento que essas pessoas "merecem", em seus pontos de vista. O cúmulo foi um vídeo que chegou até mim, de um suposto "bandido" morto, com o corpo perfurado por inúmeras balas, disparadas provavelmente pelos homens da lei. O título do vídeo? "É isso que acontece com vagabundo quando bate de frente com o BOPE."
O que esses animais não entendem (ou não fazem a mínima questão de refletir um pouco sobre), quando fazem campanha para que infratores menores sejam julgados como maiores é que há muito o sistema penitenciário falha miseravelmente na reabilitação dessas pessoas. O que será que quer dizer cidadania para eles? Um exemplo simples de como o país exerce a inclusão social está nos editais de concursos públicos. "Dos requisitos para investidura do cargo: f) não possuir antecedentes criminais ou civis incompatíveis com o exercício do cargo;" Por quê?
Sou até inclinado a crer que grande parte desses ativistas virtuais sequer já foi a alguma prisão ou conhece alguém que esteja preso. Ignoram que mandar menores para penitenciárias pode significar uma sentença definitiva. Pelo menos enquanto durar a lógica penitenciária vigente. Rasga-se a integridade na consciência.
A revolta aqui não é necessariamente em relação às campanhas favoráveis a mudança na legislação. Se nos parece que crimes cometidos por menores ainda recebem julgamento ineficaz. Ou ainda deixam a impressão da impunidade, pensemos então em novas possibilidades, mas não me venham com esse discurso infeliz de que "tacar esses vagabundos em prisão" resolve o problema.
Que diabo será inclusão social? Reabilitação? Nunca ouvi falar. E punição legal, só sei de ouvir dizer.

terça-feira, 9 de abril de 2013

a curiosidade
germina asas
abrasa, treme espasmos

a pluviosidade
abre aspas
não paira
não cessa
salta e desce

mor notícia
das corridas
as vespas tímidas
as vezes íntima
fadiga

e saudades torrenciais

terça-feira, 26 de março de 2013

despudorado

entrava-se pela palma da mão esquerda e transpirava dessas vias luzis.
e pelos buracos da cabeça via-se de dentro pra fora feixes de realidades móveis
como as gelatinosas visões de dentro da cabeça.
descia reto para dos pés saber de flor, raiz e fruto
um pequeno par de asas recém colhidas e dali um passo pra ficar gigante,
artista e sem teto.
sem um puto e em si, logo queria sorver-se.
fez-se mesmo do avesso de luz,
tragou-se todo e meteu-se a transcender ali mesmo
no meio do povo.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

substancial

Difícil classificar a obra de arte como ruim ou boa, não? Talvez porque o sentido pode ser sugerido na proposta do artista ou solicitar complemento, que nasce no "olhar" do espectador. Isso pode confundir a classificação. De modo que o artista parece ter o arbítrio da imaginação e livremente criar. E me refiro aos que criam arte, ainda que sofram influências de outros artistas e/ou movimentos. Mas trabalhemos com a distinção entre influência de movimento artístico (seja o rock, a pintura surrealista ou a culinária maranhense) e padronização estética. Esta última é frequente no cinema e na música. Reparem.

Pois bem. Permitam-me fazer uma comparação: que tal o jornalista, tal qual o artista, libertar-se para criar? Ora, não iria nada mal se a tendência fascista do “padrão” dormisse antes de acordar.
Perdoem o versinho tolo, mas penso que o modo jocoso atrai o leitor curioso para uma prosa que parece tonta, mas ta quase pronta pra sacudir os miolo.
Ai, quem me dera que eu fosse Tom Zé que faz que fala de sacanagem, mas trata de uma puta malandragem pra dizer ao povo das fuleragens que os homens dizem que é normal.

Um exemplo bacana: meus colegas de turma que organizaram a Semana Acadêmica de Jornalismo na Rural fizeram uma entrevista com o jornalista Juan Arias. Ele é correspondente do El País (jornal espanhol) e contou de uma ideologia da publicação: “fazer o melhor jornal possível, para atingir ao leitor ideal”. Algo nesse sentido. Leitor ideal me parece que seria aquele que sabe olhar o jornal de forma crítica, que vê a publicação como um conteúdo a ser refletido, antes de consumido. Ideal, ideal mesmo também seria aquele leitor que conhece os seus direitos como cidadão no que tange ao direito à informação e deveres dos veículos de comunicação e aquele que enxerga os meios de comunicação como canais que devem levar informação, olhares, apontamentos, denúncias. Basicamente, desvendar as nuances da sacanagem pública.

Voltando à comparação/inspiração, penso que escrever sob a égide dessas prerrogativas daria ao repórter o arbítrio da imaginação. Sim, meu caro. A criatividade é substancial à prática jornalística. E a libertação desses modelos de abordagens dos assuntos e redação das matérias também enriqueceria igualmente a causa. Arias diz que escrever para o leitor ideal também implica fazer o melhor jornal possível. Isso não significa, todavia, atribuir ao leitor a responsabilidade de possuir uma gama de conhecimentos necessários para adentrar no texto. Como na arte, é a sensibilidade a chave mestra do acesso à obra.

Nessa esdrúxula comparação, vislumbro a interseção das partes principalmente na paixão. Pela obra, pela causa, não importa. No entanto, há que se fazer ainda uma distinção crucial: não havendo o espectador ideal para a arte, consideremos que distinguir a reportagem boa da ruim não é tarefa tão árdua. A prática ajuda.