Chico
Atrasei-me. Confesso, minha irresponsabilidade nunca custou tão caro. Quase uma frustração terrível e meu coração em “disparada” inquietude. Eu ainda não estava com o ingresso, e a situação e demora só me deixavam mais "injuriado". Enfim adentro o recinto e lá está o “velho Francisco”, “de volta ao samba”. Para meu “desalento” o show havia começado há tempos (cinco músicas). Procuro meu lugar, achei: topei com alguns (des)conhecidos meus, me dão boa noite. “Boa noite!”. E neste momento em que me acomodo, ainda com as mãos trêmulas, blazer, corpo suado e sem a exata noção do momento, finalmente olho para o palco:
Puta que pariu!
...
Não sei se quem esteve presente foi meu corpo ou minha alma, mas recordo-me que durante o espetáculo não houve sincronia entre esses dois. Aliás, penso que não houve tempo para assimilar a situação que eu vivia, mas justamente o próprio Chico "narrava" o que eu vivia: "penso que não dure muito a nossa novela, mas o blues já valeu a pena", dizia ele fixando os olhos nos meus (porra nenhuma). Passei batido junto com a efemeridade do momento e com suas musas, suas faces e facetas: Genis e Zepelins, Anas e Anos Dourados, de Amsterdan, de Holanda, Terezas e Ninas, todas lindas.
Penso que fui vítima de suas canções. Não sei exatamente quando fui arrebatado, Chico falava grego com a minha imaginação, quanto ao meu coração, ora inflava, ora esmagava. Ah, “se eu soubesse” que a arte, mais especificamente a música, e mais intensamente a música de Chico seria “todo o sentimento” que eu julgara "a felicidade"... ah, se eu soubesse, não dava mole à sua pessoa, nem caia na sua conversa mole. Mas acontece que eu sorri. Eu sorri simplesmente e essa expressão congelou em minha face durante aqueles segundos de show. Chico cantava, cantava... jamais o vi tão lindo assim. Chorei, chorei. Chico transitava entre o intenso e o brando e eu ali, como quem não sabe o que sentir. Chico "tem um jeito manso que é só seu", um jeito de fazer rodeios, com lirismo e meneio de poeta e me deixar em brasa e invadir a alma como se minh'alma fosse a sua casa. O que havia de ser vivido, vivi, não sei como, nem onde, nem por quanto tempo, ao ponto que quase me convenço de que nunca estive lá.
Não me afobo mais, sei que nada é para já, afinal amores serão sempre amáveis...
Como disse o show evaporou, e Chico foi cantando sem pudor a sua última canção... despediu-se: "hora de ir embora quando o corpo quer ficar, toda alma de artista quer partir. Arte de deixar algum lugar quando não se tem para onde ir..."
Ao fim de tudo, louco, feliz e louco eu dialogava com as músicas. Como se Chico me dissesse: "bem vindo ao clube, doidão", não em rap, mas com uma serena canção: "pense em como eu vim de leve, machuquei você de leve e me retirei com pés de lã. Sei que o seu caminho amanhã será tudo de bom, mas não me leve. O meu coração parece que perde um pedaço. Passou este verão, outros passarão, eu passo."
Então convenci-me que apesar de tão efêmero, repentino, tal qual o poeta, o show fora muito bonito. Interpretei Chico, e pude contemplar o tempo alcançar a glória e o artista o infinito.
*O leitor mais atento notará no texto a incidência de alguns "sei" e "não sei" e "achismos". A narrativa de fato é uma experiência que me causou confusões e discrepância dos sentidos. Falo dela por especulações do que suponho que tenha sido. Queria mesmo ir de novo.