Ultimamente, sigo meio alheio
ao cerne de nossas pautas. Se é que ainda posso me incluir nos
beneficiários dos "acontecimentos" cotidianos. Eu sei que meu bedelho
não vai lá certeiro como o de meus colegas e mestres - que se expõem
com bem mais dignidade que eu às questões que emergem nas creches
publicitárias e universitárias (desculpem) - mas sei que há também quem
ainda me releve e não se negue a saber como vivo tais pautas às suas margens.
No meio de tantas bombas, cabeças, objetivas, ninjas e labaredas, sou eu o tal do marginal. Marginal principalmente porque nem me cabe
a convicção poética dos jornalistas
nem a pele rubra dos ativistas
ou a melancolia cética dos poetas.
Eu caberia na pauta, ora, se pudesse pagar para ver. Todavia, conquanto minha lamentação ainda se pareça com uma ferramenta
inofensiva, esses atores me toleram. Por meu nobre discurso e
revelações, grandes multidões (só se fala em massa) esperam. Eu os amo e
temo desferir sobre eles, sobre mim, sobre nós o ensejo de uma coisa
vã, que é a opinião. Principalmente a minha, maculada por profetas e
abjetas filosofias. Ofereço, em vez disso o que me redime a omissão e
garante um sono menos imperfeito. Singela e nem tão minha: reflexão.
Acerca das mobilizações que se sucedem no país, seja lá qual for a
motivação, penso que a reivindicação dos homens é fúnebre, pois é fio
solto da memória e fruto da morte de muita gente. Nisso, pensei de
entrevistar Drummond que, ironicamente já faleceu, mas continua ainda
(O) sobrevivente
Eu - Caríssimo, a recente conjuntura dos brasileiros em relação ao seu país lhe estimula os versos?
Drummond - Impossível compor um poema a essa altura da
evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que
seja - de verdadeira poesia.
Eu - Acreditas que o atual momento do Brasil inflige consequências à poesia/à sua poesia?
Drummond - O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
Há máquinas terrivelmente complicadas para as
necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
Eu - A crença no progresso por meio dos aparatos (termo jurídico?) configura um equívoco para o senhor?
Drummond - Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.
Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Eu - E como o senhor sobrevive em meio a tais circunstâncias?
Drummond - Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.
(Desconfio que escrevi um poema.)
Eu - Obrigado, poeta.
Além da breve entrevista, outras propostas me deram cabimento para refletir. Eis os links (copiar e colar):
rolezinho - https://www.youtube.com/watch?v=737brquoD88
"Tá com dó, leva pra casa" (destaque para os comentários) - http://www.cartacapital.com.br/sociedade/ta-com-do-leva-pra-casa-9077.html
batman, tolerância e ameaça comunista - https://www.youtube.com/watch?v=9_m40U2005E
Elegia 1938 - http://www.casadobruxo.com.br/poesia/c/elegia.htm
preocupação de Otto - https://www.facebook.com/Oficial.OTTO/posts/760094490684678?stream_ref=10
repórter cinegrafista morto por rojão - https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=UhIh7zk3rUM
Por tais ponderações, inferi, ou melhor, refleti que é possível dizer,
vejam bem, dizer coisas belas a pessoas nem tão belas, já que o dizer só
ganha beleza no ouvido dos outros; é possível fazer notícia ou poesia
concomitante a uma guerra, mas para texto incompleto só vale publicar o
do poeta; para o produto da coisa jornalística - a notícia, importa mais
a bala, de quem quer que seja e para isso tanto vale tacá-la na cabeça
de quem ama, clama ou verseja.
Mas há no meio disso uma terrível
aflição que não notamos. A aflição que não nos suporta, talvez por
sermos jovens, é a da palavra. Por submetê-la a inquisições, por fazê-la
admitir vocação para ordem, dissabor ou opinião. A palavra não morre,
apenas sofre. Por nossas vozes e textos, aplicam-se sentenças,
veredictos, lamenta-se, xinga-se, a palavra sofre, decreta-se ordens,
desordens, surras e cárceres, ela machuca, comove, conclama, ela é uma
santa a palavra, não morre.