Há uns dois ou três meses, recebi um e-mail com o título “Tá reclamando de quê?”. Era uma dessas correntes para repassar a todos os seus contatos. O texto equiparava as práticas de políticos corruptos e outros cargos de serviço público às práticas “irregulares” e até mesmo ilícitas dos cidadãos comuns, tais como subornar policiais, falar ao celular enquanto dirige, fazer “gatos” (roubo de energia elétrica), entre outras – os chamados “desvios de conduta”. Eis um trecho do e-mail: “Fala-se tanto da necessidade de deixar um planeta melhor para os nossos filhos e esquece-se da urgência de deixarmos filhos melhores (educados, honestos, dignos, éticos, responsáveis) para o nosso planeta, através dos nossos exemplos...”. Trata-se de uma tentativa de estimular as mudanças individuais nas práticas corriqueiras, até mesmo para que as palavras de protesto ganhem sentido, em vez de se tornarem manifestações hipócritas.
A mensagem levanta duas questões básicas e cruciais a uma sociedade democrática: Os atos políticos e a sua devida fiscalização pela sociedade e a responsabilidade social que cada cidadão deve ter de seus atos. Até aqui já temos um perspectiva social razoável para suscitar discussões e medidas. No entanto, nessa relação entre o cidadão e seus governantes, um ponto importante tem ficado de fora: “Ora, mudar os meus atos é simples, me responsabilizo. Agora, quem me garante a reforma de conduta das instâncias superiores?” – poderia o leitor se perguntar. É uma questão muito pertinente porque, embora no Brasil muitas pessoas se beneficiem com a impunidade, para outras a lei se faz valer muito bem. Para as chamadas “classes inferiores”, é claro. Um homem sem o Certificado de Alistamento Militar (CAM) não trabalha de carteira assinada, sem o comprovante de voto da última eleição não se presta concurso público,quem não contribui para o INSS terá mais dificuldades na aposentadoria, e por aí vai.
Para que a justiça se faça valer igualmente para todos, é necessário que os “injustiçados” se mobilizem, através de movimentos sociais organizados, o que pouco se vê ultimamente. Seja porque desconhecem as leis e seus direitos, seja porque se acostumaram com as ilegalidades. Como se explica que num país com uma das maiores taxas de impostos do mundo não se veja sequer uma mobilização de protesto? Como se explica que a milícia tenha conseguido se instalar em tantas favelas e outras zonas do Rio de Janeiro em tão pouco tempo sem que ninguém percebesse e denunciasse? Ou ainda, como um candidato, cuja campanha fazia piada com o cargo e quais seriam suas atribuições se eleito, pôde se eleger e trazer consigo outros candidatos do mesmo partido? Como essas manobras de corrupção, ilicitudes e impunidades ainda passam despercebidas pelos brasileiros? Se for por falta de informações, que se cobre dos jornais, pois para essa função eles foram designados. Se for porque a legislação é ambígua e falha, que se proponham reformas aos vereadores, senadores e deputados, pois para isso eles foram eleitos. Como está é que não deve ficar.
Que o Brasil precisa de muito mais que uma reforma política, é notável. O papel do cidadão como fiscalizador do poder público está perdendo a força. Em vez de lutar pela manutenção da lei, alguns passam a se dar o direito de também burlá-la. Não é para menos que o Brasil assuma estereótipos como “o país da malandragem”, ou “do jeitinho brasileiro”. Mas como diria um outro sábio ditado, reitero a seguir: “Malandro demais se atrapalha”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário